segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Considerações de uma balzachiana do início do séc. XXI

    Tem horas que dá vontade de deixar a esperança de lado. Tomo isso como um ato plenamente volitivo, pois, a partir do momento em que tenho pleno conhecimento de sua verdadeira finalidade, não posso encará-lo de outra forma. Como disse Nietzsche, a esperança é um mal derradeiro, o pior dos males porque prolonga um sofrimento. Logo, como sou humana e reconheço certas fragilidades das quais ainda não consigo fugir, digo que tenho vontade de abandoná-la, mas não que o vá fazê-lo, pois, encarando-a como mal evitável, ao mesmo tempo a vejo como alternativa útil e justificável.
    Lembro-me da vez em que ganhei um livro de auto-ajuda para mulheres de uma amiga que comprou, de uma só tacada, cinco exemplares e distribuiu entre conhecidas. Já comentei sobre isso em um post antigo, quando ela dizia que eu deveria escrever um livro tal qual aquele, uma vez que, ao menos na visão dela, eu teria algo interessante a dizer nesse sentido. Não aceito, ao menos por enquanto, a incumbência, pois talvez minha própria experiência e condição atual, dependendo do ponto de vista, tornassem desprovido de crédito qualquer conselho meu nesse sentido.
    A essa altura, já estamos todos calejados, com nossos traumas, feridas (algumas já cicatrizadas, outras nem tanto), questões do passado mal resolvidas, preconceitos, sem muita paciência para investir, dialogar e dar chance para o novo. Julgando todos que entram na nossa vida de acordo com os machucados que já carregamos.
    O que eu diria hoje é que vejo a minha geração numa fase de transição, com ao menos três níveis de gradação, convivendo ou ao menos tentando conviver. Vejo as tresloucadas, despudoradas, as praticantes de sexo virtual, as que transam, sem peso na consciência, no primeiro encontro, as que dizem amar em poucas semanas e trocam de amor em poucos meses, as adeptas radicais desse feminismo, tal qual a entrevistada numa reportagem que li numa revista. Lá ela pregava igualdade total entre homens e mulheres, o fracasso fadado da fidelidade (detesto essa história de que somente há traição quando rola sentimento), a ideia do romantismo como algo ultrapassado... Me soa muito estranho qualquer cenário onde a feminilidade seja totalmente desconsiderada. E olha que não me considero das mais românticas, mas como negar o prazer que temos ao receber uma flor, um elogio, quando nos abrem a porta do carro, quando nos dão a preferência ou outra gentileza masculina qualquer? Tem coisas que fazem parte da natureza feminina e, ao menos por enquanto, não inventaram remédio para isso!
    Também não vejo um futuro promissor para aquelas que se encontram do outro lado da linha. Lado onde vejo as recatadas, que tem medo de conhecer gente pela internet, que sonhavam em se casar de branco na igreja, ter somente um ou poucos homens na vida, que não admitem qualquer tipo de traição (nem simples indícios), as que, de tanto esperar pelo tempo certo das coisas, quando decidem agir acabam percebendo que já é tarde demais, as que antes de se entregar querem conhecer os valores de família do outro e mostrar os seus.
    E claro, o gênero intermediário, das deslocadas, das que não são tão românticas, pois não fazem questão de ganhar um buque com uma dúzia de rosas, mas se encantam quando ganham uma solitária; não fazem questão de casar de branco na igreja, mas querem uma festa, por mais simples que seja, para celebrar o momento; não fazem questão de ganhar jóias caras, mas se chateiam se as datas especiais são esquecidas; não fazem questão de várias ligações ao longo do dia, mas dormem mais tranquilas quando ouvem a voz do companheiro antes de se deitar; as que não esperam que o casal esteja sempre grudado, pelo contrário, gostam de ter seu espaço e respeitam e incentivam o momento do outro.
    Foi nessa parte do raciocínio que me ocorreu a ideia da esperança. Que saída: juntar-me de vez às tresloucadas, tendência para qual minha personalidade, sob alguns aspectos, parece ser naturalmente inclinada ou retrair-me cada vez mais, fechando todas as portas a ponto de eliminar as boas chances que poderiam aparecer, mas preservando minha paz de espírito, direção para a qual também me vejo fortemente tendente?
    E aqui entra o lado masculino também. Como as relações estão plenamente efêmeras, fulgazes, facilitadas, os homens também estariam um pouco destituídos de algumas funções características. Mandar flores e parecer piegas ou não fazê-lo e, adotando um estilo mais descompromissado, cafajeste, agradar uma inumerável parcela do sexo oposto? Escrever um belo poema e parecer adepto do sentimentalismo barato (praticamente sem espaço hoje), ou escrever logo uma sacanagem e passar a ideia de bom pegador?
    Conheço os que estão solteiros a contragosto (o que não significa necessariamente sozinhos), simplesmente por não encontrarem alguém que faça valer a pena sair dessa condição e os que, amantes de desenfreada liberalidade feminina, caem na farra e não acreditam nem esperam algo muito diferente disso. Os que, embora conscientemente elogiem a revolução feminina, na prática não sabem lidar com nossa independência e segurança, seja financeira ou emocional (pois sim, também acho que isso lhes retirou um pouco a proeminência no jogo) e os apreciadores das sutilezas femininas, ainda que na simples delicadeza de um vestido! E assim, ao menos enquanto gênero, enxergo os homens, em sua brutalidade, na condição de opressores e, ao mesmo tempo, em sua sensibilidade, como vítimas da própria opressão.
    Acho que, desde que consciente deste ato dilacerante, ao menos por enquanto me permitirei o artifício da esperança. Primeiro porque esse meu excesso de transparência, característica facilmente notável por quem realmente me conhece, me causa, ao menos enquanto dela não tenho pleno domínio, repulsa à utilização de qualquer máscara.
    Segundo, porque acredito que haja mais pessoas perdidas por aí. Conheço e convivo com gente de todos os tipos aqui descritos. Por isso, desde que continue me permitindo conhecer pessoas (pois meu descrédito no otimismo e romantismo exagerados me bloqueia a ideia de que a sorte fará a felicidade bater a porta), acredito ainda ser possível esbarrar com semelhantes.
    Terceiro, porque hoje vejo essa questão pessoal não como um complemento para a vida, mas como um elemento agregador. Como diz aquela historinha onde chega-se a conclusão de que o melhor lugar para se esconder um tesouro seria dentro do próprio ser humano, pois é o último lugar onde procuraremos por ele. Não adianta procurar a felicidade em outro lugar que não dentro de nós, embora eu também aceite que elementos externos possam sim potencializá-la.
    Minhas decisões foram tomadas de forma consciente, embora não sem muito derramamento de lágrimas. Troquei mais de uma vez a segurança pela simples esperança, com convicção das dificuldades encontraria. Digo que, ao menos por enquanto, não sinto arrependimento de nada e fui mais longe do que pensei ser capaz.
    Talvez minha opção pela solidão já tenha sido mal interpretada. Dizer que sou feliz sozinha e, ao mesmo tempo, mais feliz ainda com uma boa companhia, pode parecer paradoxal, o que creio ter bem explicado agora. Assim, feliz já me considero. E tanto, a ponto de ver na união como casal não um complemento, precursor de dependência, mas como oportunidade de compartilhamento desse sentimento. Talvez seja um dos poucos casos onde dividir seja mais!

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